
Ela viralizou nas redes sociais depois de denunciar o golpe de policiais corruptos em Angola. Em meio ao medo e à indignação, Letícia Pavim pegou o celular, gravou um vídeo de desabafo e o publicou em seu TikTok. Era um relato espontâneo sobre a tensão que viveu ao ser coagida em uma viagem de carro por estradas do país africano. O que ela não esperava era a repercussão: o conteúdo gerou indignação, atravessou fronteiras e, dias depois, culminou em mudanças nos postos de controle do país. “Quando estava vivenciando a situação de Angola fiquei bem assustada e pensei que poderia morrer por alguns momentos, mas depois fiquei feliz com o resultado que foi completamente sem querer. Um vídeo ingênuo de desabafo me mostrou o quanto nossas vozes são potentes e que a gente pode fazer a diferença”, conta Letícia, empresária e criadora de conteúdo de viagem.
Pernambucana de origem que passou toda a infância em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, ela hoje vive com o passaporte à mão. Já são mais de 20 países visitados. Além disso, acumula outros números fartos: são mais de 36 mil seguidores em sua página “Bora Viajar o Mundão” no Instagram e 93 mil em seu perfil no Tik Tok. É pelas redes sociais que compartilha itinerários de viagens, dicas e descobertas, como a que teve em Angola. E, mesmo com perrengues e dificuldades, estimula outras mulheres a seguirem seus passos e conquistar a sensação de liberdade que uma viagem pode trazer.
Viajar o mundo sempre foi seu sonho de criança, muito influenciada pela mãe, dona de uma agência de turismo. Formada em Relações Internacionais, começou a descobrir novos lugares sozinha quando decidiu fazer um intercâmbio na Espanha e nunca mais parou. “Queria sair 100% da minha bolha, desbravar o mundo, me conectar com novas culturas e quebrar os estereótipos dos países, como uma boa internacionalista que sou”, diz, na entrevista desta semana do Mulheres e a Cidade.
Para quem sonha em fazer as malas, mas ainda sente medo, Letícia tem um conselho simples: comece devagar, na sua própria cidade. Aproveite as doses de inspiração da jovem pernambucana para dar o primeiro passo e arrumar as malas para seu próximo destino.

Graziela Salomão: Você é pernambucana, cresceu no interior de São Paulo e hoje mora aqui na capital, mas já passou por várias outras cidades. Tem alguma que é mais a sua cara?
Letícia Pavim: Não tenho muitos apegos e acho que minha infância, sotaque e feições contribuiram pra eu ser assim. Sou de Recife, mas com 7 meses fui para Ribeirão Preto. Meu pai sempre falava pra eu não esquecer que era pernambucana, mas como não tinha sotaque sempre tinha que me justificar quando dizia que era de lá. Já quando ia pra Recife visitar minha família, as pessoas achavam que eu era de São Paulo. Toda minha vida me perguntaram se eu era mestiça, descendente de japoneses ou chineses, sendo que sou de italianos. Quando viajo para outros países sempre me perguntam se sou de algum país do sul da Ásia principalmente. Por isso, me sinto do mundo.
GS: Uma denúncia que você fez sobre a corrupção de policiais angolanos mudou os postos de controle viário no país. Esse é um super exemplo de como a presença das mulheres nas ruas pode mudar realidades. Como você entende essa potência que nossa presença tem nos espaços urbanos?
LP: Quando estava vivenciando a situação de Angola fiquei bem assustada e pensei que poderia morrer por alguns momentos, mas depois fiquei feliz com o resultado que foi completamente sem querer. Um vídeo ingênuo de desabafo me mostrou o quanto nossas vozes são potentes e que a gente pode fazer a diferença. O poder das redes sociais também é enorme e algo que você posta, por mais que apague, pode ser para sempre. Por isso, temos que ter muito cuidado. Como mulher viajando sozinha, aprendi que devemos nos resguardar de criticar coisas sérias do país que estamos no momento e, se quisermos denunciar algo, postar apenas depois quando sairmos daquele lugar.
GS: O que cada viagem muda em você?
LP: Cada viagem expande meus cinco sentidos. Falo no meu TEDx Talk sobre os três motivos que fazem a vida valer a pena, sendo um deles o explorar. Visitar uma cultura é se permitir expandir ao máximo seus sentidos, sua visão de mundo e aprender na prática sobre diversidade, respeito e empatia.

GS: Qual foi a viagem que te fez mudar a chavinha sobre a potência de explorar o mundo sozinha?
LP: Com certeza foi o Egito! Quando fui morar lá pra trabalhar em uma startup minha chavinha mudou. Queria explorar lugares cada vez mais diferentes da minha realidade, sair 100% da minha bolha, desbravar o mundo, me conectar com novas culturas e quebrar os estereótipos dos países, como uma boa internacionalista que sou.
GS: Qual foi o maior medo que sentiu viajando sozinha? E felicidade?
LP: Meu primeiro intercâmbio pra Espanha, minha ida pro Egito e minha chegada na Índia foram três momentos muito fortes. Assim que pisei nos aeroportos comecei a chorar e pensar “meu Deus, estou sozinha aqui, e agora? Nao tem mais volta! O que eu faço?”. Bateu aquele desespero, mas depois de pouquíssimos dias me ambientei e me senti bem! Chegar num país novo sozinha é assustador, você fica com medo, é inevitavel, ainda mais quando é a primeira vez. Mas podemos fazer tudo que desejamos, é só uma questão de se dar a oportunidade de tentar e explorar esse mundo. Já tive tantas experiências extraordinárias nesse tempo de estrada explorando e me conectando pelo mundo e citaria algumas como quando escalei o Himalaia, na Índia, com 24 indianos que tinha acabado de conhecer; quando corri a cavalo em volta das Pirâmides do Egito de madrugada; e minha jornada de dois meses por seis países africanos conhecendo a autenticidade de cada cultura. Mas tem tantas outras!
GS: Para quem tem vontade de viajar sozinha, mas tem medo, o que você falaria?
LP: Ter medo é absolutamente normal, afinal, precisa de muita coragem para encarar o mundo sozinha. Você não precisa e nem deveria esperar não ter nenhum medo antes de embarcar porque esse é um sentimento muito importante para carregar na estrada. O medo nos faz ficar alertas para situações que podem nos colocar em risco, mas não pode te paralisar e te impedir de viver o que você sonha! Então, entenda que ele é importante e válido, já que o mundo tem muitas pessoas e acontecimento ruins, mas você vai se surpreender com o tanto de pessoas incríveis que vai se conectar no meio da jornada e de tantas experiências inesquecíveis que irá viver.

GS: E quais são suas dicas para viajar sozinha?
LP: Primeiro, eu sei que pode parecer um bicho de 7 cabeças ir para um lugar bem distante ou com um idioma que não se conhece, por isso que tal começar mais perto? Escolher um país da América do Sul, que é mais barato e tem o idioma mais próximo do português pode ser um começo fantastico! Antes disso, você pode começar desbravando sua própria cidade sozinha pra ver como se sente. Se leve pra jantar, pra fazer um tour de um dia ou até escolher um final de semana e ir explorar uma cidade perto, ficar num hostel e já ter a sensação de uma mini viagem sozinha fazendo amigos. Sua viagem não precisa ser a mais aventureira do mundo com uma mochila nas costas e pulando de lugar em lugar. A minha, por exemplo, foi um intercâmbio tradicional de idioma na Espanha. Fiquei em casa de familia, ia pra escola. Só depois eu criei coragem de fazer um mochilão e ir morar na India sozinha por três meses. Comece com calma e veja como se sente mais confortavel, mas comece!
GS: O que é viajar sozinha pra você?
LP: Viajar sozinha é um movimento de liberdade, transformação e independência. Quando nós mulheres nos permitidos viajar sozinhas, descobrimos o quão fortes somos e como damos conta de qualquer coisa. Se há poucas décadas uma mulher casada só podia viajar com autorização do marido, é revolucionário ver mulheres sozinhas desbravando o mundo.
GS: Como ser uma viajante consciente?
LP: Ser uma viajante consciente é sobre ir conhecer novas culturas e lugares com humildade, ter consciência de que sua realidade não é a única verdade do mundo, e que a palavra “normal” é muito relativa dependendo do lugar que você vai. Quando viajamos, precisamos abrir os olhos e escutar mais, nos permitir aprender com o outro, respeitar a cultura e os espaços que está pisando tanto em questões ecológicas, de respeito com os povos locais e suas tradições. É você que está indo até eles, por isso precisa se adapatar às vezes em relação a vestimentas, sobre o que fala e como age.

GS: Das diversas experiências que você tem por todas as cidades que já visitou, o que vê de parecido entre elas? E como descobrir e lidar com as diferenças de cada uma?
LP: Todas as cidades têm história pra contar, tradições, cores, comidas, bebidas, danças típicas, movimento e algo a ser explorado. Sempre falo que não importa o país, todos têm lugares lindos e feios, perigosos e seguros, pessoas boas e ruins, e pelo menos um lugar que vale a pena ser conhecido, uma pessoa de bom coração. Precisamos tomar muito cuidado ao reproduzir estereótipos que escutamos por ai, o pior de lugares que nunca nem pisamos ou vivenciamos para poder demonizar um país e população inteiros. Antes de viajar para uma cidade diferente, ainda mais de um país com uma cultura muito diferente da sua, é importante pesquisar os bons costumes, o que se deve evitar fazer e usar. Hoje em dia o que mais tem na internet é informação. Eu mesma acabei de voltar de Marrocos e fiz um video sobre os erros que os viajantes não deveriam cometer por lá sobre vestimenta, comportamento nas ruas.
GS: Uma pesquisa mostrou que viajar era o desejo da maioria das mulheres. Como você vê isso? Sempre foi o seu?
LP: Cada dia que passa nós mulheres estamos desejando viver mais, não apenas servir aos homens ou ficar dentro de casa. Queremos conhecer o mundo com nossos próprios olhos, nos sentir livres, nos conhecer e conhecer o mundo que é tão diverso. Com o poder das redes sociais, que nos deixa hiperconectados, essa vontade é ainda mais potencializada porque as mulheres vêem que existe outras mulheres fazendo isso. Meu propósito ao compartilhar os conteúdos é justamente impulsionar e inspirar mulheres a desbravarem o mundo sozinhas, mostrar que é possivel e que, se eu consigo, elas também conseguem.