Cultura

entrevista com Luiza Adas

“Ao usar as cidades como plataforma de expressão, tecemos as pontes entre as mulheres e suas vidas dentro delas”

A comunicadora Luiza Adas criou um museu virtual para levar arte na pandemia. Hoje, ela quer estimular as pessoas a olharem o dia-a-dia com as lentes das das expressões artísticas. Por Graziela Salomão

A comunicadora paulistana Luiza Adas | Foto: Arquivo Pessoal

Tecer pontes entre a arte e a vida. Usar da delicadeza e da urgência dos temas do dia-a-dia para enxergar a vida pelos olhos da arte. Esse é o convite que a comunicadora e pesquisadora Luiza Adas faz a cada post, encontro que realiza com sua comunidade ou coluna que compartilha na revista Vogue ou no Canal Arte 1.

Formada em relações públicas, a paulistana encontrou na arte um mapa para se entender e compreender o mundo à sua volta. O que começou como um processo íntimo logo transbordou para um objetivo de vida e ela decidiu compartilhar essa sensação de pertencimento para que outras pessoas pudessem desfrutar do espaço em que vivem. “As mulheres experienciam suas questões, sejam elas positivas ou negativas, através das cidades. A forma como elas interagem com a cidade, com a sociedade, vai também ajudá-las a desenhar a sua produção artística e criativa, independentemente da linguagem que for, e colocar essa expressão no mundo”, diz.

Durante a pandemia, Luiza decidiu criar um projeto que substituísse, ao menos por aquele período de reclusão, a falta que a arte fazia para a vida das pessoas. Por isso criou o Museu do Isolamento, um espaço digital no Instagram para divulgar obras de arte produzidas em diferentes contextos por artistas independentes, uma vez que os centros culturais e as galerias estavam fechados. Inicialmente focado em obras criadas durante aquele período, com o fim da quarentena, Luiza transformou a ideia no Museu do Agora, onde fala sobre temas relevantes do presente e faz essa conexão da arte com o cotidiano. Uma forma de estimular e democratizar a arte para todos. “Entender o comportamento de cada grupo, de cada recorte, é também entender como a gente pode se aproximar e trazer a arte de uma forma mais acessível”, explica. 

Na entrevista ao Mulheres e a Cidade desta semana, Luiza Adas fala sobre essa arte que não se encerra em museus. Ao contrário, salta para as ruas, infiltra-se no cotidiano e transforma o jeito como caminhamos pelo mundo.

Foto: Arquivo Pessoal

Graziela Salomão: Como surgiu seu interesse em se aprofundar na arte?
Luiza Adas: 
Meu interesse pela arte existe desde que nasci. Sempre fui uma criança muito artística, apaixonada por me expressar. Meus pais notaram isso e me colocaram para fazer aula de pintura, de cerâmica, de violão, de canto, de piano, de teatro, de todas as linguagens que você possa imaginar. Escolhi as artes visuais porque entendia que ela era uma maneira da gente, através da história da arte, entender um pouco mais sobre a história do mundo e sobre a das pessoas. À medida em que eu estudava essas histórias, também aprendia mais não só sobre o mundo, mas sobre mim mesma. Durante a faculdade, fiz um intercâmbio em Boston e trabalhei em uma empresa que fazia experiências culturais para estudantes internacionais. Morava bem na frente do Museu de Artes, que é um dos principais museus de arte do mundo, e frequentava muito esse espaço. Começou a ser quase como uma segunda casa. Entendi que era um lugar que, por mais que parecesse hermético e muito distante das pessoas, eu me sentia como em um lugar de pertencimento. Sentindo que deveria seguir esse sentimento e que poderia me aprofundar mais nas artes visuais, tudo se desenrolou.

GS: Como você vê a visibilidade de mulheres artistas? Museus e outras ferramentas culturais têm levado o trabalho das mulheres com mais destaque?
LA: 
Para chegar onde a gente está hoje, diversas mulheres tiveram que comer o pão que o diabo amassou para abrir os caminhos. Ainda temos muitos números indicativos de que estamos longe de viver em uma sociedade completamente igualitária, por exemplo, aqueles que mostram os leilões de arte internacionais. Os recordes de valores são quase sempre atingidos por artistas homens e que já morreram. Mesmo assim, sinto que o debate na arte contemporânea está bem avançado. Hoje em dia, a gente não precisa ficar batendo tanto nessa tecla das artistas mulheres na arte contemporânea. Elas já podem produzir obras sobre outros recortes que não apenas ser mulher, porque outras mostraram a relevância dos seus trabalhos para além de assuntos específicos. É claro que é importante levantar as bandeiras e se posicionar em relação a isso, mas enxergo que isso já melhorou muito, também por conta do papel dos museus, que vêm institucionalmente pensando essa inserção das mulheres artistas. Não à toa a gente teve a exposição “Mulheres radicais”, na Pinacoteca, com obras que rodaram o mundo pra falar sobre mulheres artistas, e a “Histórias das mulheres, histórias feministas”, no MASP, com um ano inteiro dedicado só a arte de mulheres. Existem vários outros projetos muito bacanas, por exemplo, “The Great Women Artists”, da Kate Hessell, pesquisadora que faz dentro e fora das redes sociais o mapeamento da história da arte sem os homens, mapeando só mulheres artistas que colaboraram com essas narrativas. É uma pesquisa que está em andamento e olha pra história da arte que, por tanto tempo, foi escrita por homens, e passa a ser revisitada tentando encontrar as vozes que se perderam ao longo do caminho. 

GS: Como acha que a arte pode tecer pontes entre as cidades e a vida das mulheres?
LA: 
Cada vez menos a gente enxerga que não existe uma separação entre arte e vida, né? A arte é vida e a vida também usa a arte como forma de expressão, de investigação. Na medida em que ocupamos e usamos as cidades como plataforma de expressão, também conseguimos tecer as pontes entre as mulheres e suas vidas dentro delas. As mulheres experienciam suas questões, sejam elas positivas ou negativas, através das cidades. A forma como elas interagem com a cidade, com a sociedade, vai também ajudá-las a desenhar a sua produção artística e criativa, independentemente da linguagem que for, e colocar essa expressão no mundo. 

GS: Durante a pandemia, você criou o Museu do Isolamento como uma forma de continuar levando a arte para aquele momento de reclusão. Qual foi a importância desse contato com a arte para passarmos por momentos tão difíceis?
LA: 
A importância de levar a arte no momento da pandemia foi de nos fazer refletir, assimilar e questionar o que a gente estava vivendo enquanto sociedade. Isso não é apenas para a pandemia, mas para todos os momentos. Enxergo que a arte é uma ferramenta para refletirmos efetivamente como os assuntos que permeiam a sociedade nos afetam e como podemos pensar sobre eles através de um olhar mais poético. O Museu do Isolamento foi uma tentativa de reunir reflexões e obras de arte que, de alguma forma, faziam isso.

GS: Como a arte imprime questões relacionadas com a presença das mulheres nos espaços públicos?
LA: 
Cada mulher, de acordo com as suas especificidades, vai ter uma percepção sobre como esse corpo interage com o espaço. Acho que essa é uma resposta muito particular e que varia a partir da subjetividade de questões sociais, raciais, econômicas que cada mulher enfrenta.

GS: Como os museus são ferramentas de potencial transformador e de comunidade em uma cidade?
LA: 
Os museus têm um papel gigantesco. Mais do que apenas espaços expositivos, são espaços de compartilhamento de ideias, educativos, de convívio, sobretudo para além das artes. Eles têm o papel de pensar a sua relação com o entorno, como podem interagir com ele, como podem se sensibilizar para entender as questões relacionadas às comunidades em que estão envolvidos. Acho que o papel deles é realmente pensar em iniciativas na cidade, ainda mais num país como o Brasil, que não tem na sua cultura o hábito de frequentar museus. Ele tem que ser mais do que só um museu, tem que ser um centro cultural, um centro de discussão, ainda que se posicione como museu, porque isso é também importante em termos institucionais. Ele tem que pensar nas articulações entre sociedade e pessoas. O museu só atinge os seus objetivos a partir do momento que atinge pessoas, que consegue apresentar artes que vão sensibilizar a sociedade. Acho que os museus também têm que abrir seus espaços para outras iniciativas para além das artes visuais. Eles têm um papel gigantesco na educação e na sensibilização da sociedade.

Foto: Arquivo Pessoal

GS: Como as cidades poderiam incentivar ainda mais a presença e consumo da arte?
LA: 
Pensando em políticas públicas. A partir do momento em que se entender a arte também como potência econômica, como potência de empregos, de girar a economia e de mostrar que ela pode trazer mudanças substanciais na forma de pensar, de olhar criticamente para as coisas e até na melhoria da sociedade, não só nos aspectos relacionados à arte, à criatividade, mas também nas transformações relacionadas à sustentabilidade, às questões econômicas e sociais. Isso vai ser o ponto de virada para que a gente consiga efetivamente valorizar mais e pensar nessas políticas públicas. É muito interessante não olhar para a arte só como algo poético. Obviamente ela é, mas olhar para a arte também como potência econômica, de projetar uma cidade para o mundo. A arte é economia e também diplomacia. Quantas pessoas não vão até Paris para visitar o Louvre, ou para a Espanha visitar o Museu da Reina Sofia? A partir do momento que as pessoas entenderem isso, talvez a gente mude a nossa forma de olhar para a cultura. Basta ver o que aconteceu com o filme da Fernanda Torres e como isso ajudou a projetar a imagem do Brasil. A partir do momento que a gente olhar para a arte dessa forma, vai engrandecer não só o nosso país enquanto potência criativa, mas também mostrar que isso pode ser uma ferramenta econômica e de projeção mundo afora.

GS: Que cidade é inspiradora pra você?
LA: 
Tem duas. A primeira é São Paulo. Sinto que a cada esquina, por mais que tenham muitos problemas, existem também resoluções criativas que a sociedade tenta articular para pensar. Eu acho que São Paulo é, sem dúvida nenhuma, uma das cidades mais criativas e que mais pulsa a arte. Tem tantas galerias, tantas iniciativas independentes e institucionais bacanas. A segunda, um pouco mais clichê e mais tradicional, é Paris. Corre nas veias de Paris essa paixão e respeito pela arte, pela cultura, a compreensão da importância da arte e da cultura para a delimitação da sociedade de forma geral. Em todos os museus você vê desde crianças até velhinhos frequentando as exposições. É muito inspirador e impossível não refletir sobre como Paris é essa potência da arte mundial.

GS: Como é possível democratizar a arte?
LA: 
Em primeiro lugar entendendo como funciona o dia a dia das pessoas. Entender o comportamento de cada grupo, de cada recorte, é também entender como a gente pode se aproximar e trazer a arte de uma forma mais acessível. Sou um pouco contra a ideia da gente pasteurizar tudo. As receitas de bolo não existem. E cada dia que passa entendo a dificuldade de dialogar com todos os públicos. Não existe isso, existem diferentes formas de interagir com a arte que também vão variar de acordo com as questões sociais, econômicas e raciais. O que devemos fazer é nos aproximarmos das pessoas e compreender que a forma como interagimos com a arte é válida para tentar democratizar o acesso à ela. 

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