Comportamento

entrevista com Laila Zaid

“A cidade vai nos corrompendo. Aos poucos você volta a cair nas ciladas dela”

Atriz e ativista faz uso do humor e da ironia pra explicar a urgência da crise climática para todo mundo entender. E a popularidade nas redes prova que a estratégia tem dado certo. Por Larissa Saram

Laila Zaid | Foto: divulgação

Se você foi uma adolescente nos anos 2000, pode ter estranhado ao ver Laila Zaid, atriz que interpretou a Bel em “Malhação” ocupando os feeds do Instagram e do Tik Tok com vídeos sobre sustentabilidade. Mas isso é uma novidade só para quem não conhece com mais profundidade a história de vida de Laila: o envolvimento da atriz e ativista com pautas sobre o meio ambiente existe desde à infância. “Tinha 8 anos quando entendi que existiam pessoas na luta pela natureza. Não tive dúvidas de que pertencia a esse grupo”, contou durante o nosso papo para esta news.

Carioca morando no Rio de Janeiro desde sempre, Laila foi viver em uma comunidade, na região serrana, durante a pandemia. A mudança promoveu transformações profundas na forma de olhar para si e para o entorno. E esses detalhes a Laila conta na conversa a seguir:

LARISSA SARAM: Você já disse em algumas entrevistas que desde criança é próxima ao tema da sustentabilidade. Qual é a sua lembrança mais remota sobre esse assunto?
LAILA ZAID:
Lembro muito de estar com minha família na natureza! Todos os nossos momentos de lazer eram na praia ou no mato. Isso já foi o suficiente pra pautar toda minha relação com meio ambiente. Fora que eles eram mais “hipongas”, então não tinha a cultura de valorizar coisas, como roupas. Lembro também de eles terem me levado na Eco 92 [uma das maiores convenções sobre o meio ambiente realizadas no mundo], em um navio do Greenpeace e ali foi bem inspirador pra mim. Tinha 8 anos quando entendi que existiam pessoas na luta pela natureza. Não tive dúvidas de que pertencia a esse grupo.

LS: Você tem um trabalho consistente como atriz. Como a arte pode colaborar na conscientização sobre hábitos de consumo sustentáveis?
LZ:
A arte é uma das principais ferramentas de transformação cultural! Fomos um país pautado por novelas, por exemplo, e hoje por redes sociais. A música também tem uma influência absurda! Acredito totalmente no poder da arte. Ela nos sensibiliza, nos afeta. Arte é tudo!

“Sendo mãe, penso em como as crianças das cidades têm
uma vida limitada. Não há mais muitos espaços onde elas
podem experimentar liberdade. Isso é triste.”

LS: Você nasceu e mora no Rio de Janeiro. Qual é a sua relação com a cidade? Quais sentimentos ela desperta em você?
LZ:
Sou apaixonada pelo Rio de Janeiro. Mesmo vivendo todos os dissabores dessa cidade, sou muito carioca! Me identifico com a cultura, leio bem seus signos, aproveito todas as maravilhas daqui (que são muitas!). Mas, sou uma privilegiada, né? Então essa resposta parte de um recorte social privilegiado. De qualquer forma, sou uma ativista e é difícil pra mim não estar sempre pensando em como as coisas poderiam ser melhores. Adoraria que não fôssemos vítimas de milícias, que o poder público desempenhasse seu papel em todas as esferas, que as pessoas aqui fossem mais bem cuidadas como cidadãs e assim tivessem energia sobrando pra cuidar de seu entorno.

Laila Zaid | Foto: divulgação

LS: Essa relação sempre foi assim ou mudou ao longo do tempo?
LZ:
Já vivi momentos piores e melhores. O Rio são altos e baixos. Agora, sendo mãe, penso em como as crianças das cidades têm uma vida limitada. Não há mais muitos espaços onde elas podem experimentar liberdade. Isso é triste. Não pensava nisso antes de ter filhos.

LS: Durante a pandemia, você e sua família foram morar em uma comunidade, na região serrana do Rio. Por que decidiu fazer essa mudança?
LZ:
Não houve nem um segundo de dúvida. Não havia nada que nos fizesse escolher estar pela cidade podendo estar no mato. Não sabíamos que ficaríamos por lá por 1 ano e meio. Foi a decisão mais acertada da vida! Não tínhamos os recursos de uma cidade, como televisão, sinal de celular, a internet chegou só depois, mas tínhamos agrofloresta, banho de rio, ar puro, espaço, comunidade.

LS: Não sentiu falta de nada?
LZ:
Sentia falta de festa, mas não tinham festas na cidade também. E fazíamos nossas mini comemorações por lá (lembrando que havia um protocolo imenso de isolamento na comunidade em relação a pessoas de fora). No final, só sentia falta de pessoas queridas. Ganhei tanto vivendo no mato e em comunidade que não saberia nem começar a explicar. O principal foi a educação ambiental que as crianças receberam.

“Nós temos que ir forjando essa transformação no individual, nas nossas escolhas de consumo. Não só pra gerar uma cultura, mas também pra pressionar o poder público”

LS: Esses deslocamentos de moradia, de vida, são estímulos pra gente olhar para dentro. O que mudou em você durante a sua estadia na comunidade?
LZ:
A vida em comunidade é a melhor coisa do mundo. Tínhamos uns aos outros e tivemos que aprender a conviver intensamente. Muita troca, muita comunicação não-violenta, confiança e amor. Mas fora do âmbito social, o aprendizado foi de que precisamos de menos, de que o ritmo da cidade é insano e, quando diminuímos esse ritmo, somos mais felizes. Também teve a espiritualidade que a natureza aguça, a compreensão empírica de que somos uma coisa só, nós, nossa comunidade e tudo em volta.

LS: Quais aprendizados trouxe de lá quando voltou a morar na cidade?
LZ:
A cidade vai nos corrompendo. Aos poucos você volta a cair nas ciladas dela. Aí, tem que respirar e se reequilibrar. Mas, tudo que aprendi segue comigo e faço tudo o possível pra me manter sustentável também por aqui. Hábitos que já tinha antes mesmo de ir pra lá, mas que fazem ainda mais sentido depois dessa vivência.

LS: Como fazer das cidades espaços mais sustentáveis?
LZ:
O poder público tem MUITO o que fazer nesse sentido. Desde nossas fontes energéticas, passando por mobilidade urbana, até a forma que lidamos com nossos resíduos. E nós temos que ir forjando essa transformação no individual, nas nossas escolhas de consumo. Não só pra gerar uma cultura, mas também pra pressionar o poder público.

LS: Qual é o seu maior desejo em relação à cidade que mora?
LZ:
Nesse momento, queria ver o Rio livre das milícias.

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