
“And just like that…”, escreveria Carrie Bradshaw em algum de seus relatos sobre os casos amorosos dela e de suas amigas em Nova York. Em tradução livre, a expressão que significa “e foi assim que…” deixa aquela sensação implícita para quem conhece a série “Sex and the city” de que, nos dias de hoje, nem sempre é fácil se relacionar com alguém em tempos de relacionamentos líquidos. E a jornalista e atriz Marcela Casagrande tem traduzido esse mood de forma bem humorada em seus perfis nas redes sociais, no podcast “Lambisgoia Cast” e na coluna que escreve sobre o tema na revista “Claudia”. Ela compartilha com outras mulheres, através de seus olhares e de suas experiências, a busca – às vezes furada, e outras com algum sucesso – por conexões nesse mundo contemporâneo. E como a cidade reflete esse comportamento? De todas as formas. “Cada cidade é um filme novo ou um livro em branco que vou preenchendo de amores e desamores”, diz, nessa conversa para o “Mulheres e a Cidade“.
Auto-intitulada “Ministra do Namoro”, depois da emblemática fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que “Um homem sem um amor não é nada. No meu governo todo mundo vai namorar” e da brincadeira sobre a criação de uma pasta com essa temática, Martchela, como é conhecida, assumiu o posto na internet. Trazendo algumas de suas vivências pessoais, com outras observações do seu entorno, ela narra os encontros e desencontros modernos. “Hoje sei que posso mudar a narrativa e ser feliz onde um dia já chorei. Muitos amores e muitas cidades fazem isso com a gente”, afirma.
E a trajetória dessa paulistana em morar em muitas cidades diferentes – já foram quase 10! – faz com que ela acredite que os espaços públicos impactam muito na forma como as pessoas se conectam. Por exemplo, na opinião dela, enquanto o Rio de Janeiro é como aquele homem cafajeste que flerta com todas, São Paulo é o casamento protocolar e sisudo. O que vale, no entanto, é que se aprenda com todas elas. “Que a gente seja tão interessante quanto as cidades que passamos e preencha tudo de sentimentos bons, apesar das dificuldades”. Separe seu Cosmopolitan, se você for do time dos drinks a la Bradshaw, leia a entrevista e se prepare – por que não? – para escrever sua própria história de amor com seu par e com sua cidade..

Graziela Salomão: Você fala sobre o amor contemporâneo e as dificuldades dele. Como relaciona esse sentimento às cidades?
Marcela Casagrande: Tenho um poema em que digo: “e eu, que já chorei em cada ponto dessa cidade?”, me referindo sobre um desamor em São Paulo em 2014! (risos) Nunca me esqueço dos cantos em que fui feliz e também chorei. Parece que cada cidade é um filme novo ou um livro em branco que vou preenchendo de amores e desamores. Esses dias, visitando o Rio, o cheiro de um lugar me remeteu a uma história em que fui bem feliz. Ao mesmo tempo, a realidade se impôs e sofri um pouquinho. Acho que vai ser sempre assim. Hoje sei que posso mudar a narrativa e ser feliz onde um dia já chorei. Muitos amores e muitas cidades fazem isso com a gente. Que a gente seja tão interessante quanto as cidades que passamos e preencha tudo de sentimentos bons, apesar das dificuldades.
GS: Uma cidade pode ser mais convidativa a namorar enquanto outra é mais para curtir a solteirice?
MC: Acho que todas as cidades tem potencial para namoros e flertes, depende só da disposição de quem está nelas (risos). Para um bom jogador, um campinho na praça dá pra ter jogo.
“Que a gente seja tão interessante quanto as cidades
que passamos e preencha tudo de sentimentos bons,
apesar das dificuldades.”
GS: Carrie Bradshaw, em “Sex and the city”, já chegou a dizer que Nova York era seu namorado mais fiel e misterioso. Alguma cidade tem esse papel pra você?
MC: Hoje vivo um casamento desgastado com São Paulo. Amo, mas não me faz bem, porém dependo financeiramente. Já amei loucamente essa cidade, defendia de tudo e de todos. Gostaria de me ver com outro, mas ainda mantenho esse estado civil…. Dou umas flertadas com outros lugares porque vai que em algum momento eu consiga esse divórcio? Tá na fase do “eu tô cansada” e não temos nos sintonizado mais.
GS: Você fala muito sobre os relacionamentos héteros. Se as cidades brasileiras fossem tipos de homens, como classificaria algumas das nossas metrópoles?
MC: O Rio de Janeiro é o boy cafajeste que flerta com todas, te leva na lábia, às vezes dá uma raiva, mas você olha e o “fdp é bonito”. É uma relação sacana por diversão. Você entra na farra, dança, flerta e beija a cidade toda juntos.
São Paulo é aquele casamento protocolar. Ele é sisudo, metódico, sério, porém a energia por dentro é caótica. Aquele boy racional que não faz terapia e acha que sabe lidar com tudo. Essa é a relação tóxica por dependência financeira, mas também tem um pouco de apego emocional ao passado, memórias afetivas boas e, por isso, é tão difícil de deixar. Haja terapia!
Salvador te salva, como o próprio nome diz. Não há dor que resista ao seu carinho. É abraço quente e afago, mas também tesão e suor. Às vezes de difícil acesso, mas, quando chega, não tem vontade alguma de ir embora. É amor que fica e memória boa que não se esquece jamais.
Já Belo Horizonte é o boy família, mas que engana. Aquele que tem correntinha de crucifixo que ganhou da avó quando fez 15 anos, te apresenta a família toda, te serve um café e um pão de queijo, te leva à missa, mas à noite, no bar, tá pegando outra. Cuidado!

GS: A cidade impacta nas escolhas que fazemos? Por exemplo, uma mulher sozinha tem medo de ir a determinados lugares que, quando acompanhada, ela privilegia?
MC: Acho que, infelizmente, toda cidade traz esse impacto em nós, mulheres. Não tem como. Você deixa de ir a algum lugar porque é mais afastado e não tem como voltar sozinha. Isso limita e impede alguns encontros. Imagina quanta gente tem no mundo e o quanto deixamos de conhecer pessoas interessantes por causa da violência e do medo? É triste e a pura realidade.
“Me despi do que a sociedade gostaria que eu fosse e tive a oportunidade de ser quem sou, com muito orgulho, inclusive, dos erros e dos acertos. Saber que, apesar de crescer e abrir os olhos,
a espinha dorsal não muda. Valores são inquestionáveis
e caráter formado é caráter.”
GS: Como as cidades nas quais já morou moldaram a mulher que você é hoje?
MC: Sou uma cidadã do mundo, apesar de ter estacionado no Brasil há um tempo. Gosto de partes minhas pelo mundo todo. Conhecer, sentir novos cheiros, cores e texturas. Às vezes, ponho a mão na areia e penso “quantas milhões de pessoas estiveram ali naquele mesmo canto?”. Já morei em quase 10 cidades e não tem como não ser moldada por elas. Sempre vejo o lado romântico da coisa, mas, hoje, com 35 anos, começo a enxergar também como as cidades moldaram um outro lado meu. São Paulo me ensinou a ambição e o amadurecimento na marra. Deu amor, me arrancou o amor na unha, me fez ser cautelosa com a inveja alheia, mas, ao mesmo tempo, com as dores e com a dureza me trouxe novos tipos de amor pelo caminho. Me deu e tirou muito dinheiro. Me deu amigos e pessoas que pensei que eram amigos, e mostrou, aos socos e pontapés, que lealdade é coisa rara, então se eu tenho, guardo e dou para os meus, mesmo que não me deem. Isso diz muito sobre mim. O interior de São Paulo é minha base e colo de mãe, mas também muita loucura da juventude. Foi a fase mais maluca, incrível e sem responsabilidades da minha vida. É lembrança da escola e faculdade. É memória doce. Saudades. Já o Rio de Janeiro trouxe o olhar de quem sabe que o belo também esconde seus perigos, mas que sempre há algo misterioso e mágico no ar. Me deu leveza, meus melhores amigos e aconchego. Ofereceu samba e suor e quebrou a dureza de São Paulo. Morar na Austrália e na Nova Zelândia, e alguns meses na Ásia, me fizeram sentir a Mulher Maravilha. “Eu queria, eu podia”, no sentindo de “fudeu nesse perrengue, o que vou fazer sem ninguém do outro lado do mundo?”. E eu resolvia a parada. Isso fez eu me sentir gigante. Minha autoestima era inabalável. Salvador me fez ver que “é possível ser feliz sim”. Era tanta felicidade que não cabia no peito. Um pensamento recorrente de “e se eu passar o resto da vida aqui?”. Ainda da tempo de virar uma cantora de sucesso por lá e viver de água quente e brisa gostosa? Acho que todas as cidades por onde passei, com romantismo ou não, me fizeram mulher. Me despi do que a sociedade gostaria que eu fosse e tive a oportunidade de ser quem sou, com muito orgulho, inclusive, dos erros e dos acertos. Saber que, apesar de crescer e abrir os olhos, a espinha dorsal não muda. Valores são inquestionáveis e caráter formado é caráter.

GS: Nem sempre as cidades que mais nos representam são aquelas onde nascemos. Qual cidade representa a Marcela de hoje?
MC: Sempre tive muito orgulho de ter nascido em São Paulo. Aquela coisa bem família, almoço de domingo com os avós. Depois tudo se transformou. O olhar mudou e virei a Martchela do teatro, da política, a jornalista, a questionadora, a pé na porta. Hoje eu tô mais easygoing. Quero mais paz de espírito, transformar o que posso no limite do que consigo. E nessa muita gente acha que eu nasci no Rio, diz que tenho a cara de lá (risos). Nunca me vi assim, mas talvez eu esteja no estado astral do carioca.
GS: Quais são os altos e baixos do mundo dos solteiros em São Paulo? E quais dicas para explorá-los da melhor forma?
MC: Acho que o bom é que aqui todo mundo se conhece dentro da sua bolha e o ruim é que todo mundo se conhece (risos). Então você vai saber, de fato, a pessoa com que quer se relacionar, mas será impossível fugir se algo der errado. É um 50/50. Bom, se quiser fugir mesmo, até consegue, só que tem que sair da zona de conforto. Pra quem já tá de coração partido….