Lifestyle

entrevista com Chula Barmaid

“Uma coisa romântica em São Paulo é que, no meio da bagunça e da poluição, você encontra inspiração e beleza”

Bartender argentina une a paixão pela artes cênicas e pela coquetelaria às inspirações que o dia-a-dia na cidade despertam na hora de criar seus coquetéis. Por Graziela Salomão

Chula Barmaid encontra nas cidades e no cotidiano muitas das inspirações para seus drinks autorais | Foto: Divulgação

Não há uma cidade pequena em qualquer parte do mundo que não tenha um bar onde as pessoas se encontram para confraternizar ou beber um drink. “É uma linguagem universal. Os bares são um ponto de encontro e de mistura de culturas”, diz a bartender Chula Barmaid na entrevista desta semana para o Mulheres e a Cidade

Dona de um sorriso aberto, de uma hospitalidade que te faz sentir na sala de casa e de um talento ímpar para misturar sabores e criar coquetéis que te abrem para um mundo novo de sensações, Chula faz do balcão seu palco particular. E foi o universo dos drinks e de sua atuação performática que a levaram a descobrir o mundo. Nascida em Córdoba, segunda cidade mais populosa da Argentina, Cynthia (seu nome de batismo que não costuma usar no trabalho) se mudou, aos 18 anos, para estudar artes cênicas em Buenos Aires. Lá usou a Gastronomia para pagar os estudos e entendeu que poderia unir as duas paixões atrás do balcão: o teatro e a coquetelaria. Foi na capital argentina que encontrou a sua persona do bar, Chula Barmaid, que transforma o ato de beber um coquetel em uma experiência sensorial e cênica. 

Cidadã do mundo, já morou no Uruguai, na Espanha e na França, mas a cidade que conquistou de vez seu coração é São Paulo, da qual fala com orgulho e romantismo. Sua primeira passagem por aqui foi em 2018, quando chegou para comandar o balcão do Bar dos Arcos. Ficou até 2021, quando decidiu ir embora para o Equador para abrir um bar sustentável com amigos dentro de um hostel entre os Andes e a Amazônia Equatoriana. Só que o amor pela capital paulista a chamou novamente e, em 2022, voltou ao país. Hoje, é uma das mais requisitadas bartenders da cidade, assina diversas cartas de coquetéis em lugares como o Flora Bar e o recém-inaugurado restaurante Leila, dentro da loja conceito de Tânia Bulhões, e foca em sua Soledad Consultorias, que quer transformar os diferentes jeitos de beber, colocando os drinks em um lugar mais acessível para todos. Seja no balcão, ou andando pelas ruas da cidade, Chula traz as belezas improváveis para suas criações. Escolha seu drink – com ou sem álcool – e viaje nos sabores dessa nossa conversa com ela.

Foto: Arquivo Pessoal/Instagram

Graziela Salomão: Como e por que você escolheu a coquetalaria?
Chula Barmaid:
Na verdade, não escolhi a Coquetalaria, foi ela que me encontrou. Fui para Buenos Aires para estudar teatro e cinema. Só que precisava pagar o estudo e o apartamento onde morava e também precisava do dia livre para estudar pela manhã. O trabalho que consegui foi no bar. Comecei como garçonete, mas não deu muito certo porque já no primeiro dia uma bandeja foi parar no chão (risos). A dona falou para me testarem dentro do balcão e começou a rolar. Foi meio que uma paixão, né? Passei desse bar para uma balada, o que ajudou a ganhar velocidade, e depois para a coquetelaria, o que me impulsionou para o mundo.

GS: Ser mulher nesse universo tão masculino foi ainda mais desafiador?
CB: A gente vai evoluindo e tendo um outro olhar. O meu desejo de morar em Buenos Aires era tão grande que, naquele momento, não percebia o quanto era difícil e desafiador. Depois fui vendo que a prioridade para trabalhar com uma marca ou ser chamada para um evento sempre era do homem. Faz 15 anos que comecei e vejo que tiveram pequenos avanços. Ainda é devagar e desafiador, mas bom ver que está mudando.

“Estava olhando uma exposição de arte com fotos de toda América Latina e pensando qual sabor seria ideal para cada uma delas. Tudo no dia a dia, nas cidades, nas fazendas, me ajuda e traz criatividade para os drinks.”

GS: As vivências nas cidades influenciam na criação dos seus drinks?
CB: Super! Trabalhando tantos anos com o sabor, no momento criativo, gosto de enxergar cenários, fotos. Por exemplo, estou em Parati. Neste momento, estava olhando uma exposição de arte com fotos de toda América Latina e pensando qual sabor seria ideal para cada uma delas. Tudo no dia a dia, nas cidades, nas fazendas, me ajuda e traz criatividade para os drinks.

Foto: Arquivo Pessoal/Instagram

GS: Trabalhar em um bar de coquetéis é uma passagem aberta para viajar pelo mundo. Como você vê os bares fazendo parte das cidades?
CB: Comecei a viajar assim. Venho de uma família muito humilde. Viajar pelo mundo era um desejo, mas nunca tinha saído da Argentina até que comecei a trabalhar na coquetelaria. O primeiro convite foi para ir para o Uruguai, depois para a praia da Ferrugem, aqui no Brasil. Na sequência, veio a proposta para morar fora: morei na Espanha, França, Índia, passei um tempo na Tailândia. Sempre falo que a oportunidade de trabalhar na Gastronomia é porque todas as partes do mundo querem comer e beber. Fico muito feliz de ter feito isso quando jovem porque a gente é mais aventureira, tem menos medo, vai de olho fechado. Os bares fazem a cidade ser completamente diferente e as pessoas se conhecerem, são um encontro de mistura de culturas. Você vai para uma cidade pequena, em qualquer parte do mundo, e tem um bar onde as pessoas se encontram para conversar. É uma linguagem universal, o que acho muito interessante.

“Os bares fazem a cidade ser completamente diferente e as pessoas se conhecerem, são um encontro de mistura de culturas.”

GS: Você já morou em muitas cidades diferentes. Qual é a sua cidade do coração?
CB: Morei em diferentes países, mas a cidade que tem meu coração é, com certeza, São Paulo.

GS: Você disse em uma entrevista que estar no balcão é como estar no palco. E como é para a Chula estar nas ruas das cidades?
CB: Acho que tanto no balcão, quanto no palco, gosto muito de viver. Gosto, nas cidades, de procurar a parte cultural, artística, a história daquele lugar e de como ele se formou. Essa parte me aquece o coração. Quando vou fazer uma rota para uma viagem, a primeira coisa que pesquiso são essas coisas. Também gosto de buscar pequenos criadores do local, de qualquer área, porque me chama muito a atenção.

Foto: Arquivo Pessoal/Instagram

GS:  Como as cidades impactam na sua construção pessoal?
CB: Nasci em Córdoba e é uma cidade que me representa muito. Tem uma parte dela que lembra Minas Gerais com a região de montanhas e de produção láctea. Sempre que preciso de uma inspiração profunda e tomar grandes decisões, volto para a minha cidade porque é um lugar onde estão as minhas raizes. Toda planta e toda árvore tomam água pela raiz, então sinto que acontece exatamente o mesmo comigo. Além disso, alguns países me fazem muito bem, como Uruguai e Brasil, que me permitem me conectar, sentir as coisas que quero fazer e criar. Um pouco mais longe, Madri e Paris são duas cidades que também me tocam em um lugar muito interessante.

GS: Se você fosse definir São Paulo como um coquetel, qual seria e por que?
CB: Que boa essa pergunta, eu amei! (risos). São Paulo é, para mim, um Manhattan. Acho que a coisa encorpada do álcool tem a ver com a intensidade da cidade, que é presente e te impacta muito e, por outro lado, a parte doce, por causa do vermute e do bourbon, é interessante. Uma coisa muito bonita e romântica em São Paulo é que, no meio da bagunça e da poluição, você encontra inspiração e beleza. O marrom da coquetelaria me remete ao cinza da cidade também. Esse romance que tem em São Paulo, que te inspira e te convida, também vem desse constraste do amargo com a cerejinha do final do drink.

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