Lifestyle

entrevista com Lalai Persson

“As cidades foram quase todas pensadas e desenhadas por homens, então nos atravessam de maneira equivocada”

A publicitária, criadora do “Chicken or Pasta”, tem as descobertas da cidade como seu alimento de alma. E fez disso sua ferramenta de trabalho onde estiver. Por Graziela Salomão

Se você não foi a uma das festas produzidas por Lalai Persson em São Paulo, certamente conhece essa paulistana por ter buscado alguma de suas dicas em um dos projetos que criou sobre os melhores programas para aproveitar a cidade. A publicitária, idealizadora do site de viagem “Chicken or Pasta“, é desses nomes sinônimo de explorar o espaço público em todas as possibilidades que ele tem a nos oferecer.

Depois de viajar por muitos países, descobrindo o que mais de legal tinha para se fazer em arte e cultura nos locais por onde passou, Lalai se mudou para Berlim com o marido Ola. “Berlim é uma cidade que ocupou meu imaginário por muitos anos”, conta, em nossa conversa por e-mail para essa edição de “Mulheres e a Cidade“. “Quando decidi me mudar do Brasil, não tive dúvidas que queria vir para cá”. E se sentir segura em quase todo o tempo que vivencia a cidade é um dos pontos que fazem Lalai se apaixonar cada vez mais por lá.

Hoje, ela percebeu que se descobrir feminista foi um ponto importante para ficar alerta e se cercar cada vez mais de mulheres, privilegiando seus trabalhos e quebrando paradigmas de competições femininas. E isso impacta diretamente em como ela experiencia o espaço público. “Gosto de acompanhar projetos de cidades que têm mulheres envolvidas no desenvolvimento, porque o olhar para a cidade muda. Temos muito caminho pela frente, mas morando em Berlim aprendo que, quanto mais ocupamos a rua, mais ela tem chance de se tornar segura”. A capital alemã, aliás, se tornou protagonista do novo projeto criado por Lalai: o “The Next Day Berlin“,  que ela define como “um guia de fim de semana para quem gosta de explorar a cidade”

Foto: Ola Persson

E, claro, que uma conversa com Lalai não poderia acabar sem dicas de lugares imperdíveis para se explorar – tanto em São Paulo, quanto em Berlim, para quem estiver pensando em viajar pra lá. Essas sugestões você descobre acompanhando nosso papo da semana.

Graziela Salomão: Você criou o projeto “Chicken or Pasta” descobrindo roteiros por São Paulo. Descobrir a cidade sempre foi uma paixão?
Lalai Persson: Isso vem de uma alma curiosa e sempre em movimento. Antes de criar o “Chicken or Pasta”, eu já fazia um pouco isso com outros blogs que tive. Adoro fazer curadoria de tudo que permeia meu universo: música, lugares, livros, festivais, etc. Acredito que querer compartilhar me leva a estar sempre atrás de novidades, o que me alimenta.

GS: Como nasceu o Chicken or Pasta? Pretende fazer um projeto como esse aí em Berlim?
LP: Eu tinha um blog pessoal com um monte de amigos colaborando. Não sei como, mas de repente, ficou bem focado em viagens. Chegou uma hora que chamei todos para uma conversa e convidei-os para criarmos um projeto em conjunto. Éramos seis e assim nasceu o “Chicken or Pasta”. Inicialmente, não era algo sendo criado como um negócio e sim como hobbie. E, para quem sabe, ser convidado para as viagens. Deu no que deu, ficou grande, começamos a trabalhar com marca e passei a tê-lo como minha principal fonte de renda, além da meta inicial, que era ganhar viagens, ser alcançada. Eram muitos os convites e, assim, todos nós conseguimos viajar bastante pelo mundo, inclusive indo para lugares que nunca estiveram nos nossos planos e acabaram nos surpreendendo.
Sobre Berlim, eu já tenho um projeto com formato diferente. Não é um site e nem tem foco em Instagram. O “The Next Day Berlin” é uma homenagem ao David Bowie, que morou aqui e lançou um álbum chamado “Where are we now?”, que tem uma música sobre a cidade. Então, acabei dando esse nome à newsletter. Ela nasceu como um guia de fim de semana bem similar às “Boas do finde do CoP”. Está indo superbem de audiência e trazendo oportunidades para realizar coisas que eu queria ter feito com o CoP, mas estar sempre viajando não permitiu, que é começar a criar experiências e eventos “by The Next Day”. Se tudo der certo, faremos nossos dois primeiros eventos em maio. 

“Gosto de acompanhar projetos de cidades que têm mulheres envolvidas no desenvolvimento, porque o olhar para a cidade muda. Temos muito caminho pela frente, mas morando em Berlim aprendo que, quanto mais ocupamos a rua, mais ela tem
chance de se tornar segura.”

GS:  E como foi mudar de cidade para você? De que forma Berlim te conquistou?
LP: Berlim é uma cidade que ocupou meu imaginário por muitos anos. Pisei aqui pela primeira vez em 1997. A cidade ainda era um grande campo de construção e muito diferente do que é hoje. O Mitte, por exemplo, era ocupado por squats e, hoje, é um dos bairros mais posh da cidade. Quando decidi me mudar do Brasil, não tive dúvidas que queria vir para cá, mas o meu marido também precisaria querer. Acabamos decidindo juntos, nos mudamos em 2019 e, por ora, não tenho o menor plano de sair daqui. Amo Berlim, a diversidade, a liberdade de expressão que oferece (que agora anda meio comprometida por conta da guerra Israel x Palestina), a cena cultural, musical, artística e em viver em uma cidade tão cosmopolita, vibrante, mas que ao mesmo tempo oferece um dia a dia de cidade de interior. Outra questão é me sentir segura quase o tempo todo, poder usar o telefone na rua e abrir meu laptop no parque. Também tem o custo de vida que é mais acessível que São Paulo. O negócio ainda é driblar o alemão, meu grande calcanhar de aquiles.

GS: Em que país se sentiu menos segura?
LP: Eu me senti muito insegura na África do Sul, em especial em algumas áreas na Cidade do Cabo e Johannesburg. Também teve um momento tenso no Myanmar, mas acho que mais pela experiência de viver em São Paulo de sempre estar em alerta e achar que corremos perigo. A única vez que rolou uma situação que me senti em perigo foi em Praga, mas uma longa história para caber aqui. No entanto, acredito que foi uma exceção e azar.

GS: Como a cidade te atravessa como mulher?
LP: Cada cidade atravessa de uma maneira. Em São Paulo, me sentia ameaçada em muitos momentos. O risco parecia estar sempre à espreita, não permitindo que eu relaxasse. Estava alerta o tempo todo e isso é cansativo. As cidades do mundo foram praticamente todas pensadas e desenhadas por homens, então elas, no geral, nos atravessam de maneira equivocada. Gosto de acompanhar projetos de cidades que têm mulheres envolvidas no desenvolvimento, porque o olhar para a cidade muda. Temos muito caminho pela frente, mas morando em Berlim aprendo que, quanto mais ocupamos a rua, mais ela tem chance de se tornar segura. 

GS: Você disse que foi se descobrindo feminista ao longo do tempo. Depois que se entendeu como feminista, o seu olhar para a cidade e para as escolhas que fazia mudou? 
LP: Por muito tempo fui bem alheia às discussões feministas, até porque na época em que fui me tornando mulher, essa discussão me parecia mais distante. Desde então, tenho premissas para tudo que faço. Privilegio livros escritos por pessoas que se entendem como mulheres, prefiro contratar serviços oferecidos por mulheres, evito ir a festas que não têm DJs mulheres no line-up, não vou mais a festivais em que homens dominam o line-up, tenho mergulhado em estudos sobre a história da mulher nas artes, na música, no cinema, na literatura, na filosofia. Hoje olho mais para o universo feminino e privilegio ele sempre. Outra mudança foi que  me dei conta de que tinha poucas amigas mulheres, porque a gente cresce vendo a outra como inimiga, como uma concorrente. E, agora, nesse novo momento de vida, morando numa nova cidade, tenho ficado mais atenta para me cercar mais de mulheres. Tem sido tudo novo e sem volta. Se você olhar o meu guia de fim de semana em Berlim, vai notar que praticamente todas as capas têm mulheres. Dou todos os destaques para elas.

“Hoje olho mais para o universo feminino e privilegio ele sempre. E, agora, nesse novo momento de vida, morando numa nova cidade, tenho ficado mais atenta para me cercar mais de mulheres.”

GS: Na sua newsletter de março, você disse que morar fora nos aproxima dos nossos ídolos de um jeito mais fácil, pois é uma forma de diminuir a saudade de lugares que já foram um lar. Como a cidade te acolheu nesse processo de readaptação? Como foi pra você fazer de Berlim um lar?
LP: Não apenas de ídolos, mas percebi também um interesse maior na cultura brasileira. Hoje gosto de compartilhar a nossa cultura com os gringos que costumam ter bastante interesse em conhecer. Meu estilo de vida mudou radicamente morando aqui, porque Berlim é uma cidade que tem uma cultura de performance menor do que a de São Paulo. Aqui não importa muito o que você faz da vida, mas quais são seus interesses. As conversas vão menos para o campo profissional. São mais intelectuais ou sobre interesses mútuos. Nem toda cidade está pronta para acolher no processo de adaptação, aqui tem muitos programas e um incentivo grande para estudar alemão, mas nem por isso é simples. Talvez a vivência que a pandemia me trouxe com a cidade, que foi bem intensa, me conectou mais com ela, me fez sentir acolhida. Por fim, me sinto em casa aqui. Gosto de voltar sempre para cá e tenho até menos vontade de viajar, porque gosto de estar aqui.

Foto: Reprodução/Instagram

GS: Em uma coluna no Hysteria, você contou sobre a insegurança e como superou a questão da diferença de idade no seu relacionamento. Acha que esse preconceito, principalmente em relação às mulheres mais velhas, é algo muito mais característico da sociedade brasileira? Já sentiu algum incômodo sobre isso andando nas ruas fora do Brasil?
LP: Sinto que esse é um preconceito mundial, né? Mas, talvez, em muito menor grau na Europa. Por exemplo, a família do meu marido me aceitou muito bem desde o momento em que nos conhecemos. Nunca me senti fora de lugar ao lado dele. Nunca também senti incômodo porque, apesar da diferença de treze anos, as pessoas geralmente acham que temos idades próximas. Então o que acontece é mais a reação de surpresa quando descobrem que sou bem mais velha. Confesso que, por aqui, praticamente esqueço disso no dia a dia. A exceção foi quando eu fiz 50 anos, que mexeu bastante comigo, e aí essa nossa diferença veio à tona também. Perguntei para ele “Nossa, como será quando eu estiver velhinha e você ainda meio jovem.” E ele “Vou gostar de você velhinha”. Vamos ver! (risos).

GS: Muitas pessoas te conhecem pelas dicas do que fazer na cidade. Então, quais seriam duas escolhas imperdíveis em São Paulo e duas em Berlim?
LP: Uau, que pergunta difícil. Em São Paulo, acho os restaurantes japoneses imbatíveis. O Kan Suke, na Manoel da Nóbrega (no bairro do Paraíso), é um dos meus favoritos. E sou fã da Pinacoteca. Já em Berlim, são também muitos lugares que adoro, mas bato cartão no Estelle Dining, um restaurante perto da minha casa, que tem uma comida deliciosa. E sou fascinada pelo Tempelhofer Feld, o antigo aeroporto que hoje funciona como um parque e tem o pôr-do-sol mais bonito da cidade.

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