Comportamento

entrevista com Rachel Schein

“Uma cidade pensada para mulheres seria uma cidade mais convidativa”

Rachel Schein, do perfil @sp_de_bike conta como cruzar São Paulo de bicicleta diariamente mudou seu senso de pertencimento à cidade. Por Larissa Saram

Em 2011, uma bicicleta salvou Rachel Schein. Ela estava sem emprego, sem dinheiro e sem perspectivas, mas precisava tocar o dia a dia com o filho, na época com 7 anos. A bike apareceu como solução de economia para fazer os deslocamentos com o menino. Com uma GoPro em punho, Rachel registrava e depois compartilhava os trajetos que fazia numa página do Facebook. A intimidade com a geografia da cidade acabou sendo mapa para ela encontrar novos caminhos para sua vida: os vídeos viraram trabalho e hoje a paulistana toca o SP de Bike, perfil que pauta arte urbana, mobilidade, arquitetura e urbanismo a partir das travessias diárias que a Rachel faz sob duas rodas. Parece que estamos sempre na garupa dela, desbravando principalmente o centro da cidade.

“Dizem que a gente sempre volta pra nossa essência, para o que nos conecta com o mundo e com nós mesmos. Acabei me voltando para a arquitetura e o urbanismo através da bicicleta. Fui aprendendo sobre a cidade na prática mesmo”, contou Rachel na nossa conversa a seguir para o Mulheres e a Cidade. No papo, ela também falou sobre insegurança, outros impactos que o pedalar trouxe para sua vida e como imagina uma São Paulo verdadeiramente pensada para as mulheres que pedalam.

Larissa Saram: Como pedalar por São Paulo impactou a sua vida?
Rachel Schein:
Impactou tudo, mudei até minha área de atuação. Sou formada em publicidade, mas nunca me encontrei. A bicicleta literalmente me abriu novos caminhos. Dizem que a gente sempre volta pra nossa essência, para o que nos conecta com o mundo e com nós mesmos. Acabei me voltando para a arquitetura e o urbanismo através da bicicleta. Fui aprendendo sobre a cidade na prática mesmo.

LS: O tempo de quem vive a cidade de carro é diferente de quem vive a cidade de bike, seja por conta dos atalhos ou na maneira como a gente olha uma arte numa empena, por exemplo. O que mais muda na nossa relação com a cidade quando nos deslocamos de bicicleta?
RS: De bike a gente fica com a visão mais ampla e apesar de ser um meio de transporte individual, nos faz pensar no coletivo. Comecei como ativista pela mobilidade ativa, mas depois acabei me envolvendo com movimentos sociais de diversas naturezas. Foi quando comecei a pedalar que eu mudei minha relação com o consumo, por exemplo. Passei a consumir menos e de forma mais consciente. Também mudou minha percepção de segurança. Apesar de estar mais exposta, passei a me sentir mais segura em relação ao medo de assalto/ estupro. E claro, passei a conhecer melhor os caminhos, entender a geografia da cidade.

“Eu me sinto muito mais segura me deslocando em
qualquer lugar e em qualquer horário de bicicleta.
A pé me sinto vulnerável e de carro me sinto presa,
parece que se alguém me abordar, não tenho
pra onde escapar”


LS: Como mulher, quais os desafios específicos que você enfrenta pedalando por São Paulo?
RS: O principal desafio – e isso independe do gênero – é a velocidade dos carros e a falta de respeito dos motoristas. Como mulher é o assédio. Uma vez, um motoqueiro quase me derrubou por conta disso. Mas eu me sinto muito mais segura me deslocando em qualquer lugar e em qualquer horário de bicicleta. A pé me sinto vulnerável e de carro me sinto presa, parece que se alguém me abordar, não tenho pra onde escapar.

LS: Em que momentos sentiu que o seu corpo ocupando o espaço público sobre duas rodas era, também, uma forma de resistência?
RS: Acho que desde a primeira vez. Tive várias sensações depois do primeiro dia que pedalei na cidade: uma mistura de medo com felicidade, mas me sentindo muito confiante. Tive uma sensação de pertencimento à cidade. E comecei a entender que tinha que me impor no trânsito para sobreviver.

“Mulheres carregam crianças. E coisas.
E compras. Então pra ela decidir usar a bicicleta
tem muitos obstáculos no caminho”

LS: Como seria uma São Paulo verdadeiramente pensada para as mulheres que pedalam?
RS: Mulheres têm mais instinto de preservação, por isso não se arriscam tanto em lugares sem infraestrutura e segurança. Também mulheres fazem mais deslocamentos. Homens fazem geralmente casa-trabalho-casa. Mulheres fazem: casa- levar filho na escola- trabalho- buscar filho- supermercado – algum outro deslocamento- casa. 

LS: Que futuro você sonha para a mobilidade urbana no Brasil?
RS:
Só queria que as políticas de visão zero ( de zero mortes no trânsito) fossem aplicadas. Isso inclui redução de velocidade, fiscalização e punição e o “redesenho” das cidades pensando em quem se locomove a pé ou de bicicleta, a ponto de não ser mais uma questão o medo de sair de casa pedalando e não voltar. 

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