Comportamento

entrevista com Maria Ribeiro

“Um encontro entre mulheres nunca é uma via de mão única”

Fotógrafa premiada pela ONU Mulheres detalha os projetos que desenvolve para reconstruir as relações entre as mulheres e o que elas veem refletido no espelho. Por Larissa Saram

A fotógrafa mineira Maria Ribeiro | Foto: divulgação

As intervenções digitais excessivas promovidas nos corpos das mulheres foram o gatilho para a fotógrafa mineira Maria Ribeiro trocar o mercado publicitário tradicional por trabalhos autorais. “Ficava impressionada ao ver pessoalmente as modelos que estampavam os anúncios. Os retoques não se limitavam a tirar celulite ou uma ruga, mudavam o biotipo delas, a ponto de ficarem irreconhecíveis. Precisava fazer algo que fizesse sentido para mim”, conta.

Foi a partir daí que Maria criou o “Nós Madalenas – Uma palavra pelo feminismo”. O projeto premiado pela ONU Mulheres reúne fotografias de mulheres diversas, que tiveram a pele estampada por palavras que representavam, para essas modelos da vida real, o significado da luta por direitos.

Maria também é profunda pesquisadora do Mito da Beleza, conceito da antropóloga e escritora norte-americana Naomi Wolf, que publicou em 1990 o livro: “O Mito da Beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”. As ideias desenvolvidas no livro são base para outros projetos tocados pela fotógrafa, como aulas online e cerimônias fotográficas, que promovem uma reconexão das mulheres com os seus corpos.

Na nossa conversa, ela falou sobre como sua trajetória pessoal a levou ao encontro do propósito no trabalho:

Registro feito e uma das cerimônias fotográficas | Foto: Maria Ribeiro

LARISSA SARAM: A sua experiência com publicidade te levou a criar o projeto “Nós, Madalenas”. Como foi esse caminho?
MARIA RIBEIRO:
Foi numa época em que comecei a ter mais contato com o feminismo. Queria fazer um projeto que tivesse a ver com o que estava vivendo e foi também um movimento intuitivo de busca pela minha cura. Fui vítima de violência de gênero e tinha um desejo profundo de fazer algo que falasse sobre isso, que trouxesse uma mensagem. Foi um marco porque acabei entrando nas histórias daquelas mulheres e me transformando totalmente. Tanto que o “Nós, Madalenas” virou livro, foi parar em diversas universidades, depois se tornou exposição, chegou até Nova York, ganhou um prêmio da ONU Mulheres. Mudou a minha história e trajetória artística.

“Crescemos internalizando o conceito de que só um tipo de corpo é belo, desejado e tem o direito de ocupar certos espaços. Com o Instagram e os filtros, isso piorou ainda mais. Quando olhamos qualquer imagem de um corpo real, com gordura, celulite, pelos, estrias, a gente rejeita antes de passar por um processo racional”.

LS: Depois disso, você criou as cerimônias fotográficas.
MR:
Isso! As cerimônias fotográficas são o meu principal projeto atualmente. Quando comecei a clicar as mulheres para o “Nós, Madalenas”, percebi como para todas, de alguma forma, existia uma relação de dor com próprio corpo. E eu queria que esse momento da foto fosse positivo, bonito, não difícil. Fui atrás de trazer elementos que ajudassem nesse processo com elas e, hoje, as cerimônias envolvem rituais de cura, meditação guiada com aromaterapia, práticas de exercícios corporais. As fotos são um encerramento dessa experiência completa e faz com que elas tenham a oportunidade de se reconectar com o próprio corpo.

Foto do projeto “Nós, Madalenas”| Maria Ribeiro

LS: Como você acha que podemos evitar a armadilha do estereótipo da beleza?
MR:
Somos bombardeadas com um padrão único desde sempre. Crescemos internalizando o conceito de que só um tipo de corpo é belo, desejado e tem o direito de ocupar certos espaços. Com o Instagram e os filtros, isso piorou ainda mais. Quando olhamos qualquer imagem de um corpo real, com gordura, celulite, pelos, estrias, a gente rejeita antes de passar por um processo racional. Por isso, consumir conteúdo diverso, que faça com que corpos pretos, gordos, velhos, sem edição, sejam lidos como signos de beleza, ajuda a desprogramar essa lavagem cerebral, inclusive em relação ao nosso próprio corpo.

Registro feito em uma das cerimônias fotográficas | Foto: Maria Ribeiro

LS: Ao longo desses anos, você deve ter guardado uma coleção de histórias marcantes. Alguma delas se tornou inesquecível?
MR:
Algumas mulheres, depois das vivências, conseguiram sair de relacionamentos abusivos, de empregos tóxicos. Outras, ressignificaram sonhos e experiências que tiveram na infância. Uma delas me contou que morou a vida inteira no Rio de Janeiro e nunca tinha usado um biquíni para ir à praia. No dia seguinte das fotos, ela pôs e foi. É de uma potência muito grande, e uma cura pra mim também. Um encontro entre mulheres nunca é uma via de mão única.

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