Lifestyle

entrevista com Amanda Vasconcelos

“Cheguei em São Paulo cheia de sonhos. É louco hoje ter um restaurante num prédio icônico desta cidade”

Chef acreana dos restaurantes Sobrado Tucupi e Tucupi do Centro conta sobre a relação de amor e medo que estabeleceu com a maior cidade da América Latina. Por Larissa Saram

A chef de cozinha Amanda Vasconcelos, dona dos restaurantes de comida acreana Sobrado Tucupi e Tucupi do Cento, que ficam em São Paulo (Crédito: @elcaiao)

O plano era sair de Rio Branco, capital do Acre, para terminar a faculdade de Arquitetura em uma região do Brasil um pouco mais central. Só que paixões avassaladoras não dão a mínima para calendários, passo a passos ou qualquer outra ferramenta de planejamento. Elas simplesmente inundam, tomam conta. De repente, estão embrenhadas nas veias e nos músculos e colocam a bússula dos pés para girar fora do sentido. Colocam tudo mais em suspensão. Só resta, então, seguir as ordens impostas por ela. Pelo menos até passar.

Ao chegar em São Paulo para fazer as provas da universidade, Amanda Vasconcelos se apaixonou. Nas palavras dela, “ficou louca”. Mesmo com os alertas da mãe para tomar cuidado, se jogou sem medo. E o que era incerteza, virou casa: a capital paulista ganhou Amanda desde o começo, não tinha mais como ir para qualquer outro lugar.

O match só não era perfeito porque Amanda sentia muita falta da comida de casa. A saída foi encomendar os ingredientes amazônicos com a família e cozinhar os pratos preferidos. Foi preciso pouco tempo para inaugurar a Casa Tucupi, primeiro restaurante da acreana, no bairro da Vila Mariana. Hoje, Amanda toca o Sobrado Tucupi, no Bixiga, e o Tucupi do Centro, instalado há alguns meses na Galeria Metrópole. Nos cardápios, ela mistura memórias de família e um olhar para o futuro.
Na nossa conversa para o Mulheres e a Cidade, a chef-quase-arquiteta conta mais sobre sua trajetória profissional e detalha seu romance com a capital – que evoluiu para uma relação madura, com os pés no chão.

A chef de cozinha Amanda Vasconcelos (Crédito: @pedro.erthal )

Larissa Saram: Você veio do Acre para São Paulo para estudar arquitetura em 2011. A cidade correspondeu às suas expectativas?
Amanda Vasconcellos:
Sim, eu morava em Rio Branco e escolhi estudar e morar em São Paulo porque, na época, minha melhor amiga já estava aqui. E também porque ficaria numa região mais central. Quando cheguei, me apaixonei pela cidade, fiquei louca. A minha sensação era de que podia ser quem eu era, sabe!? São Paulo é uma cidade que ninguém fica parado me olhando e me julgando. Eu sentia que podia andar e que as pessoas não estavam nem aí para mim, podia fazer o que eu quisesse.

LS: E quando começou a cozinhar?
AV:
Me adaptei bem aqui em São Paulo, mas sentia muita saudade da comida do Acre. Aí comecei a cozinhar, mas para conseguir fazer as receitas, meu pai acabava mandando os ingredientes, minha mãe também. Comecei assim.

“As pessoas falavam que eu
deveria ter um restaurante.
Achava que jamais conseguiria.
No fim, abri a Casa Tucupi
de um jeito simples, era na
casa onde morava. A ideia,
no início era receber os clientes
e os amigos nesse clima.
No dia a dia, acabou virando
um restaurante”

LS: E daí para os restaurantes?
AV: O processo de abrir a Casa Tucupi foi bem…Como eu posso dizer? Inesperado. Eu já fazia uns eventos e as pessoas falavam que eu deveria ter um restaurante. Eu pensava: “Essas pessoas são malucas, é muito difícil, custa muito dinheiro”. Achava que jamais conseguiria. No fim, abri a Casa Tucupi de um jeito simples, era na casa onde morava. A ideia no início era receber os clientes e os amigos nesse clima. No dia a dia, acabou virando um restaurante. E o Sobrado Tucupi, uma cliente minha que tem imobiliária um dia me ligou e falou: “Amanda, tenho um imóvel aqui que é a sua cara”. Falei que não queria abrir mais nada, mas quando fui olhar o imóvel, eu amei!  Falei: “Não, realmente é a minha cara, é a cara da Casa Tucupi. Preciso fazer um bar nesse lugar”. Quando vi, já tinha um barril, um restaurante. E o processo do Tucupi do Centro foi praticamente igual. Também não queria abrir nada, fui ver o espaço e falei “é a nossa cara, temos que estar no centro e vai ser superlegal”. Então, sempre foram coisas meio não muito planejadas.

Créditos: @pedro.erthal

LS: ​​Como São Paulo recebeu os seus restaurantes?
AV:
Muito bem! Tem muita gente curiosa sobre como é a comida do Acre. E agora também tem muita gente aceitando bem o fato de que ando num processo de ter mais receitas autorais, sabe, no cardápio, com um ingredientes Amazônicos misturando frutos do mar,  coisas que a gente não tem no Acre. Com esses ingredientes amazônicos, a aceitação vem sendo ótima.

LS: O Tucupi do Centro, na Galera Metrópole, é o seu negócio mais recente. Era um desejo estar em um dos prédios mais icônicos da cidade?
AV: Como fiz faculdade de arquitetura, a galeria Metrópole sempre foi um lugar que gostava. É um prédio icônico e é incrível ter um restaurante lá, é louco, é emocionante. Porque, imagina, eu que cheguei em São Paulo cheia de sonhos, sem nem imaginar o rumo que a minha vida ia andar aqui. Pensava que ia ser arquiteta, né!? É muito louco hoje ter um restaurante num prédio icônico da cidade e ainda mais um prédio que tá tão ligado à arquitetura. É muito, muito massa, parece até que as duas coisas sempre estiveram ligadas.

“O que mais me impressiona
em São Paulo é ser essa capital
gigantesca, metrópole cheia de
gente de um jeito maluco.
Sou muito fã desta cidade”

LS: E como tem sido a experiência de ter um restaurante no centro de São Paulo?
AV:
Tá sendo legal, desafiador, mas vejo que agora que a gente tá com dois meses, o movimento tá crescendo. Estamos fazendo PFs com uma comida mais caseira, de vó amazônica, não tanto com ingredientes como tucupi ou jambu. É uma comida do jeito que comia na casa da minha avó, sabe? Tem sido superaceito. E à noite, a gente já tem esse cardápio com ingredientes mais icônicos da Amazônia, como tucupi, jambu, cumaru, formiga, os peixes. Galera está gostando.

Créditos: @pedro.erthal

LS: Você falou que quando chegou aqui e se apaixonou. Como arquiteta, o que mais te impressiona em São Paulo?
AV:
Na realidade, não me formei em arquitetura, mas me considero um pouco arquiteta porque só não entreguei o TCC. O que mais me impressiona em São Paulo é ser essa capital gigantesca, metrópole cheia de gente de um jeito maluco. Sou muito fã desta cidade. Quando cheguei, falavam para eu tomar cuidado, mas naquela época eu não tinha medo de nada. E é impressionante que não tenha acontecido nada de ruim comigo. Hoje em dia sou supermedrosa. Outra coisa que me impressiona, e isso está dentro do meu privilégio branco, é que vim pra cá e fiz as coisas sozinha, sem influência de alguém que indica. Isso existe muito no Acre, você só consegue as coisas se tiver alguém, se você for filha de alguém. Consegui começar a minha vida aqui sem que ninguém tivesse nenhuma referência de quem sou.

Créditos: @elcaiao

LS: E como mulher, como é a sua experiência se deslocando e vivendo numa cidade como essa?
AV: Tenho várias várias sensações. Eu me sinto desconfortável, como te falei, hoje em dia eu sinto medo – de andar na rua à noite sozinha e tudo mais. É uma percepção de mundo que acabei tendo com o tempo, não só de São Paulo. Fico incomodada de saber que não posso ter acesso a n coisas na cidade só por ser mulher. Mas, por incrível que pareça, me sinto mais segura aqui do que em outros lugares, do que no Acre, por exemplo.

“O fluxo de pessoas andando
torna a cidade mais segura,
o cidadão usando a cidade
a torna mais segura e isso,
com certeza, foi uma das coisas
que me encantou em São Paulo:
ver as pessoas ocupando os
espaços públicos, a rua”

LS: Como é a experiência, como mulher, de se deslocar usando transporte público, aqui e lá? Dá para fazer uma comparação?
AV:
Os privilégios são muito loucos, eles fazem com que cada experiência seja diferente. Por exemplo, eu não pego transporte público em horários de pico, faço muitas coisas a pé, consigo ir para o Sobrado Tucupi e para o Tucupi do Centro caminhando. Então, a minha experiência me deslocando é aquela coisa de sempre estar alerta, com medo de ser assaltada, com medo de homem na rua, mas ainda tenho o privilégio de morar no centro e de conseguir fazer muita coisa a pé e com o mínimo de segurança. Quando é de dia, eu ando a pé, e à noite, quando tenho que voltar do bar ou do restaurante, acabo vindo de Uber. Mas aquela coisa: entra no Uber, compartilha a viagem com a amiga, fica com medo do Uber, agradece a Deus quando a motorista é mulher. Complicado. Mesmo assim, é impressionante como me sinto mais segura em São Paulo. Acho que aqui as pessoas usam mais o espaço público. Rio Branco é uma cidade muito quente, não é acolhedora para andar. Quando morava lá, fazia praticamente tudo de carro, usei transporte público poucas vezes e foram experiências bem intensas: é muito cheio, é muito quente. Os acreanos sempre ficam bravos porque, infelizmente, tenho poucos elogios para fazer. Sobre o aspecto da cidade, acho que urbanisticamente não é uma cidade muito acolhedora, apesar de estar no meio da Amazônia, é uma cidade que foi praticamente inteira desmatada. Não tem sombra para andar, não tem calçada. É chocante, mas São Paulo dá de 10 a 0. E isso porque São Paulo ainda não é uma boa referência, né?

Créditos: @elcaiao

LS: Como acha que as duas cidades poderiam ser mais amigáveis para as mulheres?
AV:
Tanto no Acre, quanto em São Paulo ou qualquer lugar do mundo, a gente precisa pensar em projetos de políticas públicas para conseguir andar com mais segurança. Fico pensando, onde tem um homem e uma mulher, a mulher sempre vai se sentir ameaçada, né? O meu maior medo dentro de uma cidade é homem. Na época da faculdade também pensava sobre os muros, sou muito contra. Isso seria uma das primeiras coisas que eu faria, se eu pudesse mudar uma cidade, quebraria todos os muros e transformaria os pátios dos prédios em espaços públicos. Porque o fluxo de pessoas andando torna a cidade mais segura, o cidadão usando a cidade a torna mais segura e isso, com certeza, foi uma das coisas que me encantou em São Paulo: ver as pessoas ocupando os espaços públicos, a rua. Além disso, melhorar a iluminação, as calçadas, educar as crianças sobre como respeitar o espaço da mulher. Quanto mais a gente viver a cidade, andar por ela, ocupar o espaço público, mais a cidade vai se tornar segura para as mulheres e para todo mundo.

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