Cultura

entrevista com Fernanda Monteiro

“Amo a arte que vem da rua e a sensação de vida que ela traz”

A jornalista carioca Fernanda Monteiro escreve poesias em azulejos e os espalha pela cidade. A intervenção urbana se transformou no projeto Ladrilha e ganhou o mundo. Por Graziela Salomão

Por trás das durezas gritadas na nossa cara todos os dias, a rua sussurra muita poesia. É preciso olhar atento para encontrar as frases perdidas em postes e muros que, às vezes, ressoam como mantras ou minutos de inspiração. Mas, depois que se vira aquela chavinha da atenção, não tem como não procurar, a cada flanar, mensagens deixadas por artistas que imprimem seus sonhos, anseios, e arte pelos espaços comuns.

É isso o que Fernanda Moreira faz com o seu Ladrilha, projeto criado em 2017 no qual a jornalista espalha poesias escritas em ladrilhos pelas ruas do Rio de Janeiro. “A Ladrilha é meu desejo de estar no mundo, de levar carinho e afeto para as ruas, um ambiente por muitas vezes hostil, principalmente para nós, mulheres”, diz, na entrevista desta semana ao Mulheres e a Cidade.

O fascínio e as histórias que as ruas trazem marcam a vida de Fernanda. As plaquinhas foram a maneira que a carioca encontrou de colocar sua palavras no mundo. A ideia surgiu durante um passeio pelo bairro de Santa Teresa, no Rio, como forma de trazer os escritos de uma mulher ocupando e intervindo no espaço público. Já os ladrilhos, além de serem um material que daria mais destaque às mensagens, também trazem um certo ar afetivo que remete à casa.

Das ruas, a poesia foi parar na internet e o Ladrilha se transformou não apenas em arte de rua, como também em objeto de decoração. O trabalho é todo artesanal. Fernanda escreve à mão em cada azulejo e o leva ao forno para que a tinta seja fixada. Depois de resfriado, cada ladrilho é embalado e ganha uma cartinha até o destino final. “A Ladrilha me dá coragem de me ocupar de mim, de me expressar, de colocar a minha palavra no mundo. É isso que gostaria que ela também oferecesse às mulheres: o desejo de se ocupar de si“. 

Em 2020, Fernanda foi uma das 20 premiadas pelo troféu Ujamaa, criado pelo Olodum para homenagear mulheres do Brasil e do mundo por seus trabalhos em cultura. E as poesias ganharam, também, as páginas do primeiro livro da jornalista “Mar é sempre beira pra quem tem medo de fundo” (Crivo Editorial). Hoje, o projeto que começou no Rio, já conquistou outros espaços em São Paulo, Salvador, Nova York e Buenos Aires. “Uma mulher com a palavra é uma mulher que aprende a não se calar e, pra mim, essa é a força da transformação ao ocupar a rua”.

Graziela Salomão: Como surgiu a ideia da Ladrilha e como você define o projeto?
Fernanda Moreira: A Ladrilha surgiu em 2017 com um desejo grande de me expressar, de colocar minha palavra no mundo. Tive a ideia de fazer isso a partir dos azulejos, uma matéria-prima até então pouco explorada como plataforma de texto. Comecei o projeto em Santa Teresa, bairro do Rio de Janeiro, e hoje já tenho ladrilhas em Salvador, São Paulo, Buenos Aires e Nova Iorque. A Ladrilha é meu desejo de estar no mundo, de levar carinho e afeto para as ruas, um ambiente por muitas vezes hostil, principalmente para nós, mulheres. Também um ambiente plural. Meu desejo é que as ladrilhas sejam vistas por quem passar por elas, não importa quem. 

“Coletivamente, reforço o time de mulheres que estão nas ruas, colocando a arte nesses espaços, tornando-os mais vivos, abrindo espaço para diálogo e reflexão às pessoas, trazendo testemunhas para essa experiência.”

GS: Quando foi que você percebeu a importância de ocupar o espaço público de alguma forma?
FM: Sendo mulher, colocar a minha palavra no mundo, me apropriar dela, já é um movimento simbólico. É o direito à expressão. Entendo como isso é importante para mim à medida que me exponho a cada peça que escrevo e colo. Coletivamente, reforço o time de mulheres que estão nas ruas, colocando a arte nesses espaços, tornando-os mais vivos, abrindo espaço para diálogo e reflexão às pessoas, trazendo testemunhas para essa experiência. A experiência do afeto e da comunicação. 

GS: De que forma ocupar o espaço público com a palavra de uma mulher tem a força de transformar?
FM: Me sinto menos sozinha sendo lida e quando encontro cumplicidade nas experiências, que nunca são individuais. Acredito em um texto que é confessional, mas, sobretudo, em um texto que é testemunha. Uma mulher com a palavra é uma mulher que aprende a não se calar e, pra mim, essa é a força da transformação ao ocupar a rua. 

GS: Onde você gostaria de ver um azulejo seu?
FM: Quero intervir mais no subúrbio do Rio, onde nasci e fui criada. Gosto de escrever sobre o que me atravessa, sobre o amor, quase sempre. 

GS: O que é a rua para você?
FM: Amo a arte que vem da rua e a sensação de vida que ela traz. Gosto de observar as pessoas e o comportamento, mas acho que, para toda mulher, a rua é uma experiência de eterna vigilância, e nunca de descanso. 

“Eu me inspiro e me alimento do que vejo e do que vivo no mundo, e tento retribuir essa inspiração devolvendo isso.”

GS: Como você gostaria que a Ladrilha impactasse a vida de outras mulheres como impactou a sua?
FM: A Ladrilha me dá coragem de me ocupar de mim, de me expressar, de colocar a minha palavra no mundo. De me autorizar. É isso que gostaria que ela também oferecesse às mulheres: o desejo de se ocupar de si. 

GS: De que forma a cidade te atravessa como mulher e artista e como você acha que o inverso acontece?
FM: Acho que temos um caminho de diálogo, de conversa e de troca nesse sentido. Eu me inspiro e me alimento do que vejo e do que vivo no mundo, e tento retribuir essa inspiração devolvendo isso.

GS: Se você fosse escolher ou criar uma frase para representar seu desejo para 2025 no azulejo, qual seria? 
FM: Hmmm, boa pergunta. Desejo amor e sonho.

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